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segunda-feira, 4 de julho de 2011

DEU NA SUPER - Em seis lições, como nossas tentativas de garantir mais energia, alimentos e infraestrutura estão deixando um rastro de contaminação e mortes

Em 2050 o mundo terá 9,5 bilhões de habitantes. Serão 46% mais pessoas no mesmo espaço e os mesmos recursos de hoje. Sentiu o aperto aí? Calma, a humanidade está empenhada em resolver a situação. Temos gente procurando novas formas de energia. (Precisamos mais que dobrar o total produzido para que não haja apagão em 2030.) Cientistas buscam recursos que façam sementes render mais, já que só um aumento de 70% no volume de comida dará conta de alimentar todos nós. E tem gente preocupada com a infraestrutura acelerando a produção de aço, ferro e materiais que construirão carros, casas, computadores.


Ufa, estamos salvos. Isso se os esforços funcionarem. Mas, na busca por melhorar a situação, algumas empreitadas têm piorado a vida de muita gente. Substâncias químicas e tóxicas vêm contaminando água, ar e solo de comunidades vizinhas a esses projetos, provocando - na maioria das vezes silenciosamente - doenças e mortes.  O resultado é que até beber água virou perigo em alguns lugares. Em outros - como o Rio de Janeiro -, nem respirar pode ser seguro.


Ar
Rio de Janeiro - BRASIL, 2010
Em dezembro de 2010, 6 mil casas no bairro Santa Cruz, Zona Oeste do Rio de Janeiro, ficaram cobertas por uma fuligem prateada. A nuvem veio da CSA, siderúrgica vizinha ao bairro que recentemente tinha expandido a produção. Os detritos gerados na unidade, descartados a céu aberto, produziram a nuvem, que encheu o ar de materiais como grafite. Nos dias seguintes, moradores da região relataram problemas respiratórios, como bronquite e asma, e alergias. Algumas das consequências poderão ser conhecidas só no futuro. "Uma poluição assim pode até aumentar a incidência de câncer", diz Helena Ribeiro, coordenadora da Faculdade de Saúde Pública da USP. A CSA foi multada pela prefeitura em R$ 2,8 milhões e gastará R$ 14 milhões em melhorias no bairro afetado.


Água

Pensilvânia, Colorado, Utah, Wyoming - EUA , 2008-2011

Fazer a água da torneira pegar fogo daria um belo passe de mágica - não fosse real em algumas casas dos EUA. Aconteceu em estados como a Pensilvânia, ricos em gás natural, nova fonte de energia queridinha dos EUA. Em 2008, o país descobriu a real extensão da reserva de gás sob seu solo: 23 trilhões de metros cúbicos, o suficiente para abastecer sua população por mais de um século. O estoque recém-descoberto transformou o gás em altertativa ao petróleo. E se encaixou na política de energias verdes de Obama (o gás é considerado mais limpo do que fontes com carvão). Parecia uma história com final feliz. Até que moradores das áreas exploradas começaram a reclamar do gosto ruim e da cor que saía da água dos poços. E até que alguém viu o perigo que era acender um isqueiro perto de uma torneira.

Nessa mesma época, aumentou o registro de dores de cabeça e doenças graves, como câncer, nas regiões exploradas. A agência de proteção ambiental dos EUA investigou - e encontrou elementos tóxicos como benzeno e vanádio, cancerígenos, na água das comunidades. A mudança na água e os sintomas relatados por moradores das áreas de exploração foram registrados pelo documentário Gasland, indicado ao Oscar em 2011.

A indústria de gás negou relação entre a exploração e os relatos da população. Mas não dissipou os temores. O estado de Nova York, vizinho da Pensilvânia, suspendeu por meses a exploração de gás em seu território e pediu estudos de especialistas, temendo a contaminação da água da maior cidade do país. Até o presidente Obama se preocupou."Precisamos garantir que a extração do gás natural seja feita com segurança", discursou em março.


Lucas do Rio Verde - MATO GROSSO , 2010
O município de Lucas do Rio Verde, no Mato Grosso, é um dos maiores produtores de milho e soja do país. Cresce em torno de 10% por ano movido pelo agronegócio. O que também aumenta o uso de pesticidas. Na safra de 2009, o volume foi de 5,2 milhões de litros, um recorde.

Os pesticidas podem ter contaminado parte dos 45 mil habitantes da cidade. Um estudo feito pela Universidade Federal do Mato Grosso em 2010 com 62 mulheres entre a 3ª e a 8ª semana após o parto mostrou que todas tinham algum pesticida no leite materno. Em 85% dos casos, foram encontrados de dois a 6 pesticidas. As substâncias podem causar má-formação fetal, induzir ao aborto, desregular a produção de hormônios no corpo e causar câncer. O caso continua sendo pesquisado pela universidade. A prefeitura declarou que vai colaborar com o estudo.


Huancavelica - PERU, 2010
Localizada na região mais pobre do Peru, Huancavelica teve, em junho de 2010, uma das maiores contaminações de água da história. O rompimento da represa de uma mineradora lançou 50 milhões de litros de água com resíduos e substâncias como cádmio e manganês nos rios da cidade. A concentração de químicos superava os limites definidos pela Organização Mundial da Saúde - a de chumbo, por exemplo, em 50%. A contaminação atingiu 4,2 mil pessoas. Moradores relataram problemas estomacais. Pelo menos 20 animais e um grande volume de peixes morreram envenenados. O governo peruano concluiu que a causa do acidente foi a expansão da represa da mineradora, feita às pressas para atender a um aumento na demanda - só a procura por zinco subiu 12,5% em 2010. A mineradora foi condenada a pagar multa de 36 milhões de sóis peruanos (R$ 20 milhões). Hoje o solo da região não serve mais para a agricultura e é difícil achar água potável por lá.


Terra

Qiugang - CHINA, 2004-2011

Em 2004, 3 novas empresas químicas se instalaram no vilarejo chinês de Qiugang. A região é um polo industrial e estimula a chegada de empresas para promover crescimento econômico. As companhias abasteceriam a crescente demanda mundial por pesticidas e minerais usados em placas de computadores. Mas, logo após a chegada das empresas, alguns dos 1 800 moradores da vila passaram a sentir um odor ruim persistente no ar. E a adoecer. Vinte moradores jovens, que tinham entre 20 e 40 anos, morreram de doenças como câncer e problemas renais nos dois anos seguintes. A causa: as novas empresas vinham despejando água contaminada pelos processos industriais no solo da região, segundo o departamento de proteção ambiental de Bengbu (grande cidade próxima ao vilarejo). A decisão de um morador de levar a história à Justiça - o fazendeiro Zhang Gongli - em 2005 deu visibilidade ao caso. Depois de 5 anos nos tribunais e aparições na imprensa nacional, o fazendeiro conseguiu uma decisão favorável: a Suprema Corte determinou que as fábricas deixassem o vilarejo. A história é narrada no documentário indicado ao Oscar de 2011 Warriors of Qiugang. As indústrias foram embora, mas a contaminação permanece. O solo ao redor das instalações está inutilizável para agricultura e os moradores não receberam indenizações por causa da poluição. Doenças respiratórias crônicas e casos agressivos de câncer ainda são comuns na cidade.


Caetité - BAHIA, 2009
Apesar do acidente em Fukushima, no Japão, a energia nuclear segue como uma das apostas para a ampliação de fontes de energia no mundo. Hoje a energia nuclear gera 15% da eletricidade no planeta, participação que poderia subir para 25% em 2050, segundo a Agência Internacional de Energia. As fontes para esse aumento virão de cidades como a baiana Caetité, onde está uma mina de urânio. Em 2009, no entanto, a cidade sofreu um susto - um vazamento de material radioativo. Poços de água foram contaminados, segundo o Greenpeace, com uma quantidade de urânio 7 vezes maior do que o limite definido pela OMS. Os moradores denunciaram uma ligação entre o vazamento e casos de câncer na população. Mas as Indústrias Nucleares do Brasil, que administram a mina, negam a relação.

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